“Os meus olhos coloridos me fazem refletir”: Vivências acadêmicas de mulheres negras em uma universidade pública do Estado do Ceará. Este é o título do artigo de autoria de três servidoras TAE da UFC, fruto de pesquisa realizada com financiamento do CNPQ, publicado no último dia 10 de dezembro, na Revista Cocar, um periódico do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEPA, com contribuições de autores do Brasil e do Exterior, que publica trabalhos na área de ciências humanas.
Adriana Castro, Natália Menezes e Tainah Pinheiro, sendo as duas últimas autodeclaradas negras, sentiram a necessidade de dar visibilidade ao tema no momento em que a Lei de Cotas completa 10 anos. “Sentimos a emergência de um olhar mais dedicado a esse grupo de alunas, ampliando o debate sobre essa temática e dando maior visibilidade. Como pesquisadoras que somos, decidimos contribuir com a sociedade e com a universidade no desenvolvimento de ações que possam ajudar mulheres negras a concluírem seus cursos de graduação, identificando os problemas que elas enfrentam e propondo soluções para eles” – contam as servidoras, que escolheram responder coletivamente a uma entrevista do SINTUFCE.
Sobre os investimentos em pesquisa voltados para servidores e servidoras TAE, elas comentam: “Hoje, somos capazes de desenvolver investigações de qualidade como essa, contribuindo não só com nosso trabalho como técnicas, mas também como pesquisadoras dentro dessa universidade. Tivemos condições de nos construir pesquisadoras fazendo pós-graduações. Nós, autoras deste artigo, somos uma pós-doutoranda, uma doutoranda e uma mestra que pretende ingressar no doutorado. Então, é de extrema importância que a universidade faça investimentos robustos na qualificação de seus técnicos administrativos, pois nós temos condições sim de contribuir não somente com atividades meio, mas também com atividades fim“- continuam.
A ideia é propor ações afirmativas para assegurar um ambiente mais acolhedor e com mais chances de sucesso no mundo acadêmico para mulheres negras. Durante todo o no de 2023, o trio de TAE pesquisadoras entrevistaram 30 mulheres autodeclaradas negras e cotistas da UFC, ouvindo sobre seus sonhos e os obstáculos no caminho, ainda fruto do preconceito e discriminação que não se evaporam apenas com a política de cotas.
No artigo “Os meus olhos coloridos me fazem refletir”: Vivências acadêmicas de mulheres negras em uma universidade pública do Estado do Ceará, é feita uma reflexão sobre o desenvolvimento de ações afirmativas para esse grupo no contexto acadêmico. Durante as entrevistas, verificou-se que essas mulheres enfrentam discriminações relacionadas à raça, gênero e classe desde a infância e que os estereótipos negativos associados a essas características continuam acompanhando suas trajetórias após o ingresso na universidade.
O artigo conclui que é necessário o desenvolvimento de ações no ambiente acadêmico para contribuir para a permanência dessas mulheres na universidade. Como exemplos de ações afirmativas, temos a assistência estudantil, com apoio financeiro e emocional, além de práticas pedagógicas que promovam o letramento racial. “Esse artigo traz apenas resultados parciais da pesquisa com algumas propostas de ação. Entretanto, certamente, no final, pretendemos produzir um relatório técnico a fim de contribuir com propostas para o desenvolvimento de ações voltadas para essas estudantes e será entregue para a gestão da universidade” – concluem Adriana, Natália e Tainah.
O artigo está disponível para download no site da Revista Cocar:
https://periodicos.uepa.br/index.php/cocar/article/view/9250
A seguir, a entrevista completa feita com as três autoras do Artigo e respondida coletivamente por Adriana Castro, Natália Menezes e Tainah Pinheiro:
O que levou vocês, Adriana, Natália e Tainah a escreverem esse artigo?
O advento dos 10 anos da lei de cotas, a emergência de um olhar mais dedicado a esse grupo de alunas, ampliando o debate sobre essa temática e dando maior visibilidade. Como pesquisadoras que somos, decidimos contribuir com a sociedade e com a universidade no desenvolvimento de ações que possam ajudar mulheres negras a concluírem seus cursos de graduação, identificando os problemas que elas enfrentam e propondo soluções para eles. No âmbito pessoal, duas de nós se entendem como mulher negra, portanto, mulheres negras na universidade.
Servidoras TAE e pesquisadoras? É isso mesmo?
Hoje somos capazes de desenvolver investigações de qualidade como essa, contribuindo não só com nosso trabalho como técnicas, mas também como pesquisadoras dentro dessa universidade. Tivemos condições de nos construir pesquisadoras fazendo pós-graduações. Nós, autoras desse artigo, somos uma pós-doutoranda, uma doutoranda e uma mestra que pretende ingressar no doutorado. Então, é de extrema importância que a universidade faça investimentos robustos na qualificação de seus técnicos administrativos, pois nós temos condições sim de contribuir não somente com atividades meio, mas também com atividades fim; desenvolvendo pesquisa de qualidade, com financiamento de um dos maiores órgãos de fomento à pesquisa do país e, inclusive agora, ampliamos o escopo da pesquisa, que começou aqui na UFC, para outras universidades públicas do estado e para fora do país (pós-doutoramento na Universidade de Salamanca). Isso é um retorno social! Quando há investimento na formação do técnico, a universidade ganha, a sociedade ganha. Nunca se tratou de um ganho apenas individual. Nós, enquanto TAEs podemos identificar problemas e, se qualificados, propor soluções. Para onde vamos, levamos o nome da universidade!
Ainda existem muitas dificuldades para a capacitação e produção de pesquisas por servidores TAE?
No que se refere a produção de pesquisas no âmbito da realização de programas de pós-graduação, há muitas dificuldades ainda para a capacitação do TAE. Uma perca recente para o corpo técnico foi a extinção do afastamento parcial, que permitia a redução da carga horária em até 50% para cursar programas de pós-graduação em instituições localizadas na mesma cidade ou na região metropolitana de atuação profissional do técnico-administrativo. Então, iniciativas como a disponibilização de vagas exclusivas para o corpo técnico, especialmente nos níveis mais avançados de capacitação, como mestrados e doutorados seria um ganho incrível. Essas questões são importantes porque, além de viabilizar o desenvolvimento de pesquisas de maior qualidade, configura-se como um mecanismo de retenção dos servidores mais bem capacitados, visto que é por meio do incentivo à qualificação que a categoria TAE alcança o topo da carreira.
Atualmente, qual a formação de vocês?
Temos formações diversas sendo Tainah administradora, lotada na Divisão de Gestão de Contratos e Convênios da Proplad. Adriana é pedagoga, lotada no Programa de Pós-graduação em Politicas Públicas e Natália é nutricionista, lotada no Restaurante Universitário do Pici, integrante da PRAE.
Quando se deu o período da pesquisa?
As entrevistas foram realizadas durante todo o ano de 2023 com estudantes de diferentes áreas do conhecimento, distintos turnos e campi da UFC localizados em Fortaleza.
O que mais chamou a atenção de vcs durante as entrevistas com as 30 mulheres?
Conforme a literatura científica, partimos da ciência de que mulheres negras cotistas poderiam estar passando por situações desafiadoras para cursar o ensino superior. Identificamos de forma aprofundada situação problemáticas as quais elas vivenciam aqui dentro para além do que a literatura acadêmica até hoje nos mostra, já que conseguimos abordar aspectos relacionados às esferas pessoal, institucional e acadêmica. Percebemos a necessidade que essas mulheres têm de ser escutadas, especialmente em relação às particularidades das suas histórias de vida, muitas vezes marcadas por dificuldades e atos de superação.
Qual o objetivo do artigo?
O objetivo deste artigo foi publicizar resultados parciais de uma investigação que está sendo desenvolvida no âmbito da UFC. Trata-se de uma investigação que conta com financiamento do CNPq e visa compreender como se dão as vivências acadêmicas das mulheres negras cotistas na UFC e, com isso, refletir sobre o desenvolvimento de políticas afirmativas voltadas para esse grupo no âmbito da universidade pública. Para tanto, foram considerados aspectos relacionados ao processo de reconhecimento racial dessas mulheres, à visão que elas têm sobre a política de cotas e às suas percepções sobre discriminação e relacionamentos no ambiente acadêmico.
A que conclusão vocês chegaram?
Apesar de favorecer o acesso de grupos sociais marginalizados ao ensino superior, a política de cotas, por si só, não garante a superação de todos os obstáculos que envolvem ingressar e permanecer no ambiente acadêmico enquanto uma mulher negra periférica. As violências simbólicas provenientes desse espaço nos fazem refletir sobre como essas mulheres são mais vulneráveis ao adoecimento mental e mais suscetíveis a não concluírem seus cursos. Nesse sentido, ações afirmativas adicionais precisam ser implementadas para garantir o sucesso acadêmico dessas mulheres, tais como políticas de assistência estudantil que tenham foco no apoio financeiro e emocional desse grupo específico de estudantes, políticas públicas que visem ampliar a presença de mulheres negras em posições de destaque nas universidades, práticas pedagógicas que promovam o letramento racial da comunidade acadêmica.
As propostas de ações tiveram ou terão algum encaminhamento?
Os encaminhamentos nesse momento agora estão no sentido de aprofundar os objetivos da pesquisa e perseverar nas análises dos resultados e dados coletados, pois a pesquisa ainda está em andamento. Esse artigo traz apenas resultados parciais da pesquisa com algumas propostas de ação. Entretanto, certamente, no final, pretendemos produzir um relatório técnico a fim de contribuir com propostas para o desenvolvimento de ações voltadas para essas estudantes e será entregue para a gestão da universidade.